ANÁLISE: TAXAÇÃO PREOCUPA SETORES DA ECONOMIA, ACIRRA ÂNIMOS POLÍTICOS, MAS EXIGE RESPOSTA CAUTELOSA

A carta de Donald Trump anunciando tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros a partir de 1o de agosto chegou a Brasília sem aviso prévio e provocou reação imediata nos mercados. Além disso, os agentes políticos, alinhados ou não a Trump, correram para tentar fazer valer sua interpretação do episódio. Surpreendido, o presidente Lula (PT) convocou uma reunião de emergência no Palácio do Planalto para definir seu posicionamento oficial e fez publicação ameaçando aplicar a reciprocidade. Por outro lado, Eduardo Bolsonaro (PL), um dos pivôs da decisão, classificou a medida como uma consequência do distanciamento do Brasil do que ele chamou de “mundo livre” e deu tom de campanha ao defender que tal evento não teria acontecido com Jair Bolsonaro no poder.

O emaranhado de vieses econômicos e políticos sobre um mesmo evento, que pode ter pesadas consequências, impõem à diplomacia brasileira o desafio de medir com precisão sua resposta.

1. O possível impacto ECONÔMICO da taxação

Se a taxação for realmente aplicada, o impacto deve ser grande. Logo após a publicação da carta, os contratos de juros futuros subiram no fechamento e o dólar futuro encerrou o dia a R$ 5,6135, sinalizando receio de queda brusca nas receitas de exportação e de nova pressão inflacionária. O choque é relevante porque os Estados Unidos absorvem parcela expressiva das vendas externas brasileiras de bens industriais e, de janeiro a junho, compraram cerca de US$ 20 bilhões em mercadorias nacionais, enquanto venderam ao Brasil US$ 21,69 bilhões no mesmo intervalo.

O petróleo bruto figura no topo da pauta exportadora, próximo de US$ 6 bilhões em 2024. Refinarias norte-americanas como Valero e Marathon importam volumes crescentes de crude brasileiro para misturar ao petróleo leve de xisto, significando custo imediato maior para o refino doméstico.

Já os produtos siderúrgicos semimanufaturados de aço e ferro fundido representaram US$ 4,9 bilhões em vendas em 2024. Usinas americanas dependem de ferro‐gusa de alto teor de carbono produzido no Brasil, enquanto empresas brasileiras perdem acesso ao mercado premium de placas e bobinas com maior valor agregado. O agronegócio sentirá o impacto no café verde (US$ 1,9 bi em 2024), suco de laranja (US$ 637 mi), na carne bovina in natura (US$ 885 mi) e na celulose (US$ 1,5 bi) exportada por grupos como Suzano. Na pauta exportadora brasileira para os EUA, há ainda os jatos comerciais, gasolina e outros.

Do lado digital, empresas como Amazon, Microsoft e Google mantêm operações extensas no país em nuvem e comércio eletrônico; eventual retaliação regulatória brasileira ou atraso em licenças de data centers pode afetar resultados globais relevantes.

Também estão expostas empresas de defesa e de tecnologia aeroespacial que dependem de peças fabricadas no Brasil, como Pratt & Whitney, e grupos farmacêuticos que importam princípios ativos de laboratórios instalados em São Paulo e Goiás.

2. O possível impacto POLÍTICO da taxação

No plano político interno, governo e oposição devem tentar transformar o anúncio de Trump em um trunfo eleitoral. Setores mais ligados a Jair Bolsonaro já publicaram notas e pronunciamentos acusando Lula e o STF de afastar o Brasil de um importante player da economia mundial.

“Ignorando os alertas da administração Trump, [Lula] insistiu na expansão dos BRICS e chegou a criticar os EUA por neutralizarem o programa nuclear iraniano, uma ameaça global. Nada disso teria ocorrido sob a presidência de Jair Bolsonaro”, acusou Eduardo Bolsonaro.

Já para o governo Lula, a tensão reforça a narrativa do “Brasil é dos Brasileiros”, que interessa ao Palácio do Planalto. Além disso, o PT ganha de presente mais uma roupagem para o embate com a oposição e para o discurso dos ricos contra pobres (BBB – bilionários, bancos e bets), que tem sido alimentado por seu campo político, já visando a mobilização das bases para as eleições em 2026.

Prova disso é que líderes governistas correram para depositar os possíveis prejuízos da taxação na conta da direita. Em um primeiro momento, bancadas mais alinhadas a Bolsonaro, mas também ligadas a setores exportadores, ficam na posição desconfortável de ter que se colocar ao lado de Lula nas críticas a Trump. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), por exemplo, manifestou preocupação e defendeu uma resposta firme, mas também cautelosa.

Por outro lado, o governo precisará medir com precisão sua reação e comunicação. Uma resposta errada que agrave a situação pode oferecer munição à oposição, que acusará o governo de passividade caso não haja resposta adequada.

3. Diplomacia exige estratégia e moderação

Embora a linguagem da carta seja dura, o histórico de Trump revela padrão de recuos frequentes. Em episódios anteriores, sobretaxas ao aço e ao alumínio foram anunciadas com estridência e suspensas semanas depois quando interlocutores ofereceram sinalizações políticas discretas. No início do ano, o governo mexicano obteve sucessivos adiamentos após negociações diretas conduzidas pela presidente Claudia Sheinbaum, que evitaram declarações públicas agressivas e enfatizaram interesses comuns em segurança de fronteira e investimentos em semicondutores.

A mensagem implícita é clara: Trump valoriza vitórias de narrativa e tende a flexibilizar prazos se puder apresentar o gesto como concessão obtida sob sua pressão.

Diante disso, o governo brasileiro dispõe de duas rotas. A primeira, de confronto público, envolveria pronunciamentos firmes, eventual recurso à Organização Mundial do Comércio (OMC) e ameaça de medidas de reciprocidade imediata. Tal postura agradaria a base política doméstica que critica os Estados Unidos, mas reforçaria o ambiente de disputa que Trump cultiva junto ao eleitorado industrial dos chamados estados pivô. A segunda rota, mais reservada, reproduz a estratégia mexicana, com diálogos técnicos entre o Itamaraty, o Ministério da Fazenda e a Representação Comercial dos Estados Unidos, apoio de executivos de multinacionais instaladas no Brasil e ausência de retórica inflamável.

A experiência recente sugere que a opção silenciosa aumenta as probabilidades de adiamento ou revogação gradual da tarifa, talvez começando por exclusões de produtos sensíveis ao mercado norte‐americano, como minério de ferro sinter feed ou celulose de fibra curta.

4. Como o Brasil pode responder

Mesmo seguindo a via discreta, o Brasil precisa manter instrumentos de pressão calibrados. Entre eles, a elevação temporária do imposto de importação sobre etanol de milho, a revisão de isenções fiscais para serviços de streaming e a sinalização de que contratos estratégicos como o acordo de salvaguardas na Base de Alcântara podem ser reavaliados. Essas cartas devem ficar sobre a mesa sem serem movidas de imediato, pois seu propósito é lembrar setores empresariais e parlamentares norte‐americanos de que a interdependência é mútua.

Paralelamente, o governo deve mostrar pragmatismo ao agronegócio e à indústria, destacando que medidas de urgência estão prontas para mitigar prejuízos, como a expansão de créditos de equalização às exportações e acordos de swap cambial para proteger margens em cadeias intensivas em importação de insumos.

A ameaça de sobretaxa é séria, mas ainda não irreversível. O precedente mostra que o presidente norte‐americano costuma usar tarifas como instrumento de barganha e, frente a negociação hábil e discreta, não hesita em adiar ou suavizar medidas que afetem cadeias produtivas dos Estados Unidos. Cabe ao Brasil agir com serenidade, coordenarse com o setor privado dos dois países e evitar transformar o episódio em espetáculo político. Dessa forma, maximiza‐se a probabilidade de proteger exportações estratégicas, limitar a volatilidade dos mercados e preservar espaço para retomada do diálogo comercial em bases mais previsíveis.

Fonte: arkoadvice.com.br


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